*Exemplo, Ceee, Vale do Rio Doce, CRT, Petrobras, entre outros.
*Entre as centenas de coisas que me deixam perplexo neste nosso amado Brasil, é a facilidade como as pessoas apoiam privatizações sem nenhum questionamento. Sem conhecer o assunto. E sem avaliar onde elas próprias ganham e perdem com isso.
Para começo de conversa, seria interessante refletir sobre uma resposta para a pergunta do título acima: para que serve uma estatal?
Primeiro, teremos que partir do entendimento de que uma estatal não foi feita para simplesmente gerar lucros, como ocorre numa empresa privada convencional. A missão principal de uma estatal será a de servir à sociedade. Por exemplo, subsidiando produtos e/ou serviços de extrema importância, essenciais ao país, à economia e ao povo. Vamos a um exemplo relevante: criticava-se a estatal Siderúrgica de Volta Redonda por ser deficitária. OK, mas por que era? Porque o preço do aço era subsidiado à indústria, que assim tinha custos menores para fabricar carros, geladeiras, usar na construção civil, etc. Ganhavam as empresas, isso ajudava a manter o nível de emprego, e ganhavam os consumidores, pelo menos em tese, na corrente da economia de escala. Ao privatizar a empresa, seus novos controladores não estarão mais preocupados com isso. Terão duas metas essenciais, a redução de custos, que envolve demissões e aumenta o trabalho de quem continua, e a busca do lucro, objetivo primordial do sistema capitalista. E assim o subsidio vai para o vinagre. Aí os privatistas bradam o argumento de que a empresa, viram, agora é uma maravilha, não tem mais déficit.
A situação do exemplo conduz à seguinte reflexão: o que é melhor para o conjunto da sociedade, uma empresa que lhe traz vantagens indiretas, por praticar preços sociais e não de mercado, ou uma empresa que vai render grandiosos dividendos para um reduzido grupo, que já tem muito? Forçando, por tabela e conseqüência direta, insumos mais caros. Que serão repassados na ponta final, do consumo.
Vamos deixar claro que estatais não são feitas para gerar lucros, ainda que o ideal seja que isso aconteça dentro de uma margem aceitável, para sua saúde financeira. Criticaram duramente o governo Dilma por ter segurado reajustes dos combustíveis. Mas ninguém apontou que enquanto isso acontecia todos nós, incluindo os críticos, éramos beneficiados pelo represamento dos preços. Ou você queria ter pagado mais caro quando enchia o tanque do seu carro? E também nos demais preços, pelo efeito inflacionário?
Agora imaginem uma Petrobrás privatizada, nas mãos de grupos estrangeiros que não tem qualquer compromisso com os interesses da nossa população. Como seria a política de preços? E que efeitos óbvios isso teria sobre a inflação?
Mas é apenas um dos aspectos. O principal é que a Petrobrás é uma empresa estratégica. Seu controle tem que ser do Estado porque isso envolve também a segurança nacional. Nisso entram a prospecção, mapeamento dos poços, volume de produção, controle de estoque, critérios de distribuição, e sobretudo investimentos a fundo perdido (sem compromisso de retorno) em pesquisas tecnológicas, que o capital privado não fará. Este é um dos aspectos mais relevantes, porque os gargalos tecnológicos eliminam vantagens comparativas na exportação, encarecem os custos, condenam o país ao atraso, entre outros danos. O capital privado não investe nisso, ou rar amente investe, porque sua visão é imediatista, de olho no próximo balanço, nas expectativas dos acionistas e nas bonificações dos diretores.
Se o Estado brasileiro, na hipótese mais dramática, não tiver o controle amplo e total dessa energia corre o risco de ter suas Forças Armadas imobilizadas na terra, no mar e no ar num caso de conflito externo. Basta observar que nas guerras as refinarias são sempre um alvo prioritário. De nada adianta um exército se não puder se locomover. Nos tempos de paz, o petróleo tem conexão direta com a economia. Os veículos constituem a menor fatia do consumo. A maior parte da produção é de óleo combustível, destinado à indústria. Por isso, além da defesa, se diz que é estratégico. O óleo combustível é subsidiado, a tal ponto que gera a distorção do des perdício: para as empresas seria mais caro buscar soluções que eliminassem as perdas por vazamentos, altíssimas.
Logo, a política do petróleo não pode ser pautada pelos interesses de empresas estrangeiras, isso compete só ao Brasil. Digo estrangeiras porque nenhum grupo nacional, mesmo em consórcio, tem cacife para comprar a Petrobrás a preço real de mercado. Isso só seria possível através de um monumental trambique, mais um, lesivo ao Brasil.
Vamos a outro exemplo. O Banespa era um banco de fomento, estatal paulista, que tinha entre suas principais atribuições financiar a agricultura do Estado, com juros abaixo do mercado financeiro, para estimular a produção. Sua condição de banco deficitário, depois de escândalos na era Maluf, apareceu na gestão Covas, que teve um ótimo secretário da Fazenda, o respeitado economista e professor Ioshioki Nakano. Tive a honra de tê-lo como articulista no “IOB Negócios”, uma publicação de economia que fundei a convite da IOB, empresa especializada em publicações com temas legais e fiscais.
Com a privatização do Banespa fechou-se uma torneira que irrigava a economia estadual, com produção e não especulação. O déficit era questão a discutir e resolver. Mas na visão privatista não funciona assim. O sucessor, Santander, espanhol, é um conglomerado multinacional que está preocupado com seus próprios ganhos, como qualquer outro banco comercial, e não com incentivo à lavoura. Dá para entender, antes de sair por aí defendendo privatizações sem nenhum critério? Depois, quando você paga mais caro por um alimento que vem da terra, xinga o produtor e o revendedor, mas desconhece que a privatização que você tanto apoiou tem a ver com isso.< /span>
O Estado tem pactos com o setor privado. O BNDES é um exemplo. Sua função, descrita no nome, é fomentar o desenvolvimento. Opera com cifras astronômicas. Só um dos montantes conhecidos das suas operações, no governo Lula, passaram dos quatrocentos bilhões de reais. Ainda que se possa, e se deveria, discutir isso, temos aí uma das formas de incentivo ao capital privado, porque os juros dos empréstimos são menores e as empresas contam ainda com generosos prazos de carência, ou seja, só começam a pagar depois de dois ou três anos, em média. Tempo suficiente para maturar o investimento e ter retorno. Na prática, o BNDES é um sócio enquanto perdura a dívida. Um sócio perdedor, porque m uitas não pagam. Aí vem alguém e enfia uma lei ou medida provisória, dizendo que vai salvar empregos, e anistia tudo. Aquele trambique que o povão nem fica sabendo, mas paga a conta. E a empresa demite do mesmo jeito, sem prestar contas a ninguém.
Então o que temos aí é um jogo desigual entre interesses público e privado. Onde a única regra é sempre defender o interesse empresarial, que detém o poder.
E tem ainda outro aspecto que é a privatização com capitalismo sem riscos. Quando você entrega aeroportos e estradas pedagiadas para o capital privado já se conhece a demanda. Um mel para quem assume, sobretudo porque o investimento pesado, que foi construir, foi feito pelo Estado. Agora pergunte se eles estão pagando pelo que foi contratado? O que seria, em linguagem simples, para qualquer um entender, o aluguel pela concessão. Não estão pagando. Mas isso não vira capa de revista nem manchete de jornal. Não instalam CPI. Entra só a merda do apartamento do Lula no Guarujá, assunto que já deveria estar esclarecido. E cujo valor é uma piada perto do calote das concessões públicas. E não pensem que aqui estou defendendo o Lula. Estou apenas comparando a falta de lógica nos critérios, com seus absurdos. Para um caso é o escândalo, para outro é o silêncio conivente.
O assunto é vasto, há muito a analisar, mas antes de encerrar vale a pena incursionar em rápidas palavras sobre a questão da privatização das telecomunicações.
Festeja-se isso com a expansão da oferta de telefones. No passado telefone era até investimento, custava caríssimo, um absurdo. Por quê? Vamos aos fatos: o sistema estatal estava nas mãos de militares da ditadura, principalmente coronéis, que eram também os donos do mercado paralelo. As famosas bolsas de telefones. Ganhavam montanhas de dinheiro com isso porque na estatal que controlavam fomentavam a escassez. Coisa de quadrilha. Do dia para a noite veio a privatização e a expansão. O que provou que havia sim capacidade instalada para ter feito isso muito antes. Quem tinha telefones estocados, como investimento, se ferrou. Aquilo virou sucata. Com a expansão ligavam todos os dias nas nossas casas oferecendo telefones a preços baratinhos, com liga& ccedil;ão garantida no dia seguinte. Como eu tinha microempresa, cheguei a ter dois telefones diretos, coisa impensável antes.
Foi a privatização que resolveu? Claro que não. O que resolveu foi simplesmente desativar o esquema do lucrativo mercado paralelo, que sabotava o mercado. Agora o que temos são empresas de telefonia prestando péssimo serviço, campeãs de queixas no Procon, nos roubando descaradamente nas contas, devendo 105 bilhões ao erário, e sendo escandalosamente anistiadas dos débitos no governo Michel Temer. Eis aí um excelente case para quem ama privatizações sem estudo e debate. No mesmo governo que joga nas costas dos trabalhadores todos os ônus da crise.
E viva a privatização, que tudo resolve, na cabeça burra de quem sequer discute o assunto. Mas acaba pagando caro por isso.
O tema é vasto e dá muito o que falar. Tem o caso da Embratel, que funcionava bem e jamais poderia ter sido privatizada. O da Embraer, que era uma estatal modelo, capaz da façanha de vender aviões aos Estados Unidos, o primeiro mercado e parque industrial do mundo no setor. Esse patrimônio foi construído com dinheiro público, por que simplesmente entregar a alguém para lucrar? Pio ainda, por valores aviltantes.
Construiu-se no Brasil o mito da incompetência do Estado e da excelência da gestão privada. Uma grande mentira. Trabalhei em multinacional e vi lá dentro todos os maus vícios encontráveis em qualquer estatal. Inclusive corrupção. Só que na hora do aperto o capital privado corre a mamar nas tetas da viúva, o Tesouro nacional. Que o diga o Proer, que socorreu os bancos, na gestão FHC.
Se fizerem uma pesquisa certamente 90% serão a favor de privatizações. Mas duvido que 10%, se tanto, saibam explicar os motivos.
Milton Saldanha Jornalísta
Jornal Dance, editor
Eduíno de Mattos
Eduíno de Mattos
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